sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Alimentos energéticos



As perguntas mais simples são as que fazem aparecer as idéias mais criativas.
Outro dia ouvi “Dá para plantar 300 ha de feijão orgânico ?”. A pergunta ecoa o mantra de que faltaria comida se não usarmos herbicidas, fungicidas, inseticidas e bactericidas, e por isso mesmo vale a pena respondê-la com atenção. Há alguns anos eu pensaria comigo mesmo “- Mais um grande produtor querendo defender seu meio de trocar de caminhonete uma vez por ano, vamos mostrar alguns dados de contaminação de alimentos... ”
A pergunta, no entanto, não é sobre qualidade do alimento (da qual tratamos nas duas últimas colunas), mas sobre quantidade, e veio quando a prosa era sobre o consumo de energia na agricultura.
Já parou para pensar quanta energia a agricultura gasta ? Não se limite ao diesel dos tratores e máquinas. Pense nas indústrias sintetizando nitrato (o N vem do ar, mas precisa de muito combustível para tornar-se sólido), que então monta no caminhão e roda o país inteiro até chegar nas propriedades. Pense em todos agrotóxicos consumidos, na água bombeada, no transporte, embalagem e refrigeração até o consumo final.
O Presidente do Uruguai José Mujica há alguns meses perguntou o que aconteceria se os hindus tivessem a mesma taxa de carros per capita que a Alemanha. Ele deve ter escolhido a Alemanha para facilitar a conta, porque lá existe um carro por pessoa. Como a população da Índia é de 1,2 bi, a resposta é fácil. Se houvesse um carro por pessoa na Índia, só ela teria mais de um 1 bilhão de carros, dobrando a quantidade atual no planeta. Se você quiser prosseguir, os EUA tem 5 carros para cada 4 pessoas e a China tem 1,3 bi de pessoas.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado para a Agricultura. Para alimentar o mundo inteiro com o sistema norte americano, intenso em energia, gastaríamos algo como 80% da energia disponível no planeta, e isto só para alimentação (veja a tradução do artigo na Science).
Então, a resposta para a pergunta lá do início é sim, é possível ter grandes áreas de produção orgânica, em especial daqueles sistemas menos intensos em consumo de recursos. O único problema é que esta área não poderá estar toda junta, na mão de uma única pessoa, porque daí não haveria como controlar a explosão de pragas e doenças.
E agora sou eu quem pergunta: É possível para o mundo arcar com o gasto energético da produção agrícola convencional em mais do que algumas ilhas ricas nos EUA e Europa ?

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