Diz a mitologia grega que Apolo, querendo seduzir Cassandra,
lhe deu o dom da profecia, mas que não sendo correspondido, ele lhe amaldiçoou
para que ninguém acreditasse nela. Não sem motivo, Cassandra é frequentemente
mostrada arrancando os cabelos.
A vocação de Cassandra dos ambientalistas é até anterior ao
apogeu grego, mas vou me limitar às previsões mais recentes.
No começo dos anos 60, Rachel Carson publicou Primavera
Silenciosa, o livro mais amado, odiado e menos lido que conheço. Seu sucesso
fez dele um imenso telhado de vidro. Se você se ativer aos detalhes, de fato
achará um mar de enganos, mas no atacado o livro acerta muito. A fertilidade
masculina só se reduz desde os anos 50, assim como adiantou-se a data da
primeira menstruação e sofremos cada vez mais de cânceres precoces. Não só no
Brasil, nem na América do Sul. Não só no ano passado, nem só na última década.
A primavera não está silenciosa, mas muito menos espécies
estão fazendo barulho.
Igualmente, desde os anos 70 que há pessoas preocupadas com
a brusca mudança do clima, e ainda hoje muitos não enxergam, ou não querem
enxergar, como o legislador norte americano que levou um bolo de neve para a
sessão (seria ignorância preferível à desonestidade?). Pelo tanto que já
influencia a vida de todos no planeta, e pelo tanto que ainda vai influenciar,
esta talvez seja premonição que mais cabelos custará a Cassandra
Também faz décadas que ouvimos os protestos pelo
desmatamento da Amazônia, mas preferimos achar que a a conversa que tudo está
interligado seria uma coisa meio hippie, meio bicho-grilo. Eis que os
climatologistas comprovam que a água que mantém a parte mais economicamente
ativa da América do Sul vem exatamente da Amazônia. Ou seja: a água que a fábrica de móveis usa para
transformar madeira da Amazônia em dormitório completo casal capelinha vem
exatamente da Amazônia.
A Amazônia agrega valor à economia, disse Cassandra fazendo
pouco do jargão administrativo...
Faz muitos anos que as Cassandras do ambiente estão avisando
que há um mar de usinas de energia entre nós, prontas para produzir sem impacto
ambiental algum, que se chama aumento de eficiência. Em nível de usinas, com a
troca de equipamentos, em nível doméstico, urbano e até pessoal. Os
combustíveis fósseis nos tiraram da crise de energia mas nos lambuzamos com
ele...
Há décadas, as previsões nos mostravam em veículos voadores,
iríamos de jato ao trabalho. Recentemente passamos a andar de bicicleta no
futuro. Apesar de fugirmos dele sempre que podemos, precisamos de mais trabalho
braçal. Não só a nossa espécie, mas todo o planeta precisa que façamos mais com
nosso corpo e menos com energia de fora. Na idade média vivíamos um gargalo
energético, do qual fomos retirados pelo carvão, e depois pelo petróleo, no
qual nos lambuzamos. Para sair disto precisaremos não só de células solares,
mas também de limitar nosso gasto de energia para manter o que é essencial.
Troque sua academia por uma horta, por exemplo. Troque o carro por ir a pé, ou
bicicleta. Troque o trabalho de 15 h por dia, por fazer consertos em casa. Sua
vida familiar e seu planeta agradecem.
Mas os ambientalistas também erramos. Há uma década
começamos a usar um modelo de usina hidrelétrica que não depende de grandes
represas, As usinas de fio de água. Foram consideradas um avanço por reduzir o
impacto ambiental. Não antecipamos que com as mudanças climáticas as secas
seriam um estado normal e as represas poderiam ser um fator benéfico para
ecossistemas e pessoas.
Da mesma forma, a energia nuclear era o vilão incontestável
dos anos 80, mas descobrindo o efeito da queima de carbono, muitos chegaram a
considerá-la uma alternativa, mesmo com todo o risco associado.
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